segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Bunda Suja

Desde que eu me entendo por gente, o Bruno e eu chamamos o Tio Paulo de "Bunda Suja". Acho que deve ter alguma coisa a ver com o fato de o próprio nos chamar assim quando éramos bem pequenos. O feitiço acabou virando contra o feiticeiro. O fato é que esse apelido, de certa forma, mostra o que o Tio Paulo era pra gente: um cara sempre alegre, sempre nos zoando e sempre fazendo todos rirem.

As minhas mais antigas memórias do Tio Paulo são uns robozinhos que viravam carros. Ele aparetemente os tinha trazido do Japão para mim e para o Bruno. Eram super legais e por mais antigos que fossem, nunca cheguei a ter robôs mais maneiros que esses. E, à medida que fui ficando mais velho, ele sempre se mostrou um cara super divertido. As idas a sua casa de Angra dos Reis eram sempre o máximo: a família reunida, os passeios de lancha, as férias... E era sempre ele à frente da bagunça: pescava, dirigia a lancha nos levando para várias praias, contava suas histórias... Às vezes, ele até me deixava dirigir a lancha, claro que sob seu atento olhar. Lembro que depois disso, sempre que nos encontrávamos, ele me chamava de "marinheiro".

E mesmo nos momentos tristes ele sempre conseguia se destacar nas minhas lembranças. Lembro-me da Missa que foi celebrada um mês depois que a vovó Yara morreu. Todos ainda tristes com a tão repentina partida da "voca" e ele contando piadas na porta da Igreja. Não que eles não se dessem bem, mas esse era o Tio Paulo: um cara que estava sempre feliz!! No aniversário dele do ano passado (novembro de 2005), quando já havia passado até por sessões de quimioterapia, ele estava sempre com aquele sorriso de sempre, brincando com todo mundo, apresentando quem não se conhecia, recebendo os convidados, sendo o Tio Paulo de sempre. Claro que com a aparência já bastante alterada, mas pra mim pelo menos, eu não consegui vê-lo de forma diferente. Pra mim, quem estava ali era o Tio Paulo de Angra, da casa da vovó, dos encontros de família, das piadas, das histórias...

Ontem, dia 26 de fevereiro de 2006, ele nos deixou...

Ontem, também foi o dia do velório e do enterro. Fui com a Lu até a capela 2 do Cemitério São João Batista, representando as "crianças". Não que as outras crianças não quisessem ter ido, mas simplesmente não podiam por motivos da vida. Encontramos vários parentes e amigos. O que eu vi desde o começo é que todos que estavam ali tinham, de certa forma, aprendido um pouco com a cartilha do Tio Paulo e não pareciam estar tristes. Claro que estavam, mas de uma maneira "tiopauliana" de ser. Ouvi alguém falando que eu não havia conhecido o Paulo carnavalesco, que ele sempre pulava o carnaval e que gostava muito (confesso: não sabia). Ouvi outra pessoa dizer: "típico... é típico... morreu no carnaval!! Só podia ser!!".

Depois de falar com a Tia Lia, percebi que algumas pessoas estavam olhando um album de retratos que, ouvi falar, foi montado pela Lidia juntamente com a Gabriela e a Fabiana por ocasião de seu aniversário de 80 anos. Depois de enfrentar uma certa fila para olhar o album, eu e a Lu conseguimos colocar as mãos nele.

Nossa!! O que eu estava por ver, eu não sabia, mas iria ser uma grande lição de vida... Eram fotos que iam desde sua juventude até o dia do seu aniversário de 80 anos (claro que colocadas lá a posteriori). A capa do album mostrava uma foto em preto e branco de um time de futebol (ou pelo menos imagino que seja de futebol) naquela pose clássica com pessoas em pé ao fundo e pessoas agachadas na frente. Imagino que deva ser o time no qual ele jogou. O legal da foto é que, na camisa de cada jogador, havia uma letra sendo que no conjunto de todos os jogadores, se lia "PAULO C L" (Paulo Coelho Leite). Aparentemente, seria uma homenagem de seu time.
Mas já daí, eu comecei a pensar: "poxa, ele deve ter sido admirado por muita gente". Assim, abrimos o album e nos deparamos com várias fotos de várias épocas da vida dele. Quando mais novo, ele tinha exatamente aquela aparência de galã de filmes à la James Dean. A Lu até soltou um comentário "Tio Paulo era um gato!! Não sabia que ele era galã". À medida que as páginas iam sendo percorridas, mais fotos iam aparecendo mostrando sua juventude, seus amigos, sua viagem para estudar no exterior, suas namoradas (essa parte não contaram pra Tia Lia)... Logo depois vinha uma foto bem antiga onde estavam ele e a Tia Lia ainda muito jovens. Era realmente um casal bonito. Diga-se de passagem, a Tia Lia, das namoradas dele, era a mais bonita... Miss Niteroi, pelo que eu sei. Em cima da foto, se lia algo do tipo "encontrou o amor da sua vida" e, virando a página, "... para formar a família repinica". Eu lembro que quando eu chegava com a minha família na casa da vovó Yara, ela sempre nos recebia dizendo "chegou a família repinica" (nunca soube o que significava, mas essa expressão sempre me trouxe boas lembranças). A partir daí, vinham fotos dos filhos, Lidia e Paulinho, depois da sua nora, Simone, do seu genro, Hugo, e depois dos netos: primeiro Gabriela e Fabiana, depois Diana e Eric. Podia-se ver ainda várias fotos de família... com a vovó, tia Yone...

Depois disso, haviam algumas fotos da sua vida profissional: a entrada dele na IBM Brasil, onde chegou a ser vice-presidente. Tinha um recorte de uma revista de 1976 sobre eletrônica no qual a capa era uma grande foto dele fazendo a cara mais séria que já vi ele fazer juntamente com os dizeres: "Paulo Leite, IBM". Será que houve um tempo em que ele "era" a IBM?
Depois disso, vinham mais fotos da família e depois vinham fotos de viagens que ele havia feito junto com a Tia Lia: Noruega, Dinamarca, Holanda, Paris, EUA... No fim, vinham algumas fotos do aniversário de 80 anos. Ele já estava com a aparência bem diferente das demais fotos, mas com o mesmo sorriso. Então, na última página, se lia algo como "feliz 80 anos... até os 90!".

Depois de ver aquele album, parece que outro Tio Paulo que eu não conhecia me foi revelado. Um exemplo de vida: uma pessoa que teve uma vida muito boa, que lutou por seus ideais, que conheceu o amor, que foi capaz de formar uma grande e próspera família, que atingiu o sucesso profissional e pessoal, que conheceu o mundo, que influenciou pessoas que o admiravam muito... mas que, acima de tudo, viveu uma vida muito feliz! Eu lembro que, quando acabamos de ver o album, a Lu comentou "ele era um Sol!". É verdade, ele iluminou a todos nós com sua vontade de viver. Ele era muito mais do que aquele tio legal que nos fazia rir... isso era só um pedacinho dele... ele era uma pessoa que fez uma diferença no mundo! Parace que, só depois de ter visto essas fotos, tudo que sempre ouvi dele foi visto como um só quadro, dentro de uma só moldura. Ele é uma grande pessoa (no presente mesmo!).

Mas tarde, no enterro, fiquei lembrando de tudo que vi nas fotos, olhando para as pessoas que me cercavam e imaginando o que ele representava para cada uma delas: um tio? Um pai? Um avô? Um marido? Um sogro? Um amigo? Um colega de trabalho? ... ou um Sol...? Será que ainda dá tempo de conseguir um pouquinho do que ele conseguiu? Será que ainda dá tempo de aprender?

As palavras do Ari na hora que o caixão estava sendo baixado ainda ecoam na minha mente: "VAI PAULÃO!!!". Tenho certeza de que, como a Lu me falou, a vovó estará lá pra te receber (talvez com um pedaço de queijo minas meia cura, que ele tanto gostava).

PS: A meu tio Paulo, posso dizer "Pode deixar... entendi a mensagem..."

sábado, fevereiro 18, 2006

Pula pula macacada!!!


Último dia de aula!! Férias à vista!! Era um ritual: todos os smurfs andando em volta da parte de cima do ginásio batendo na mureta de madeira, gritando repetidamente "PULA PULA MACACADA QUE AMANHÃ NÃO TEM MAIS NADA!!". E, à medida, que mais pessoas se reuniam nesse redemoinho azul e cinza, a velocidade dos passos aumentava, assim como o volume dos gritos... até que se tornava um furacão caótico de meninos se atropelando e muitas vezes caindo no chão de borracha preta. Isso acontecia até que algum inspetor, geralmente o Marquinhos ou o Edson, viesse intervir. Contudo, não mais do que de repente, mais garotos vinham e, novamente, em torno do ginásio, começavam a cantar "Ai ai ai ai, tá chegando a hora. O dia já vem raiando, meu bem, eu tenho que ir embora...". Daí para recomeçar o "ritual", era um pulo.

Grandes lembranças!! É emocionante só de lembrar... Muito legal isso ser passado de geração a geração. Mas agora, tais versos apareceram como um título de um livro sobre as histórias do nosso colégio. Houve o lançamento num sebo, que, pelo que eu soube, pertence aos autores do livro, que foram também ex-alunos. Estava tudo decorado com artigos da época: cadernetas vermelhas, azuis, verdes e cinzas, carteirinhas da biblioteca do oitavo andar (sim!! na minha época, a biblioteca era no oitavo andar!!), camisas azuis de smurfs e uniformes de educação física (sim!! aquele com aquele gola em V que vai até o umbigo).

Além disso, teve lanche à moda do São Bento: sanduiche de presunto, queijos, mortadela e o clássico maior SANDUICHE DE DOCE DE LEITE!! Fora que ainda teve bebida pra galera: cerveja, suco, mate e TODDYINHO!!! HAHAHA... muito bem mandado isso!!

Várias figuras do passado apareceran: o inspetor Alex ("seus miserável pedaço de corno!!"), professor Ferraz ("chiclete, jovem?!?!?!"), professor Gerson ("aposto que, quando cair no chão, o giz se quebrará em 3 pedaços"), além das professoras Suzete (de português), Fernanda (de matemática da quinta série), Maria de Lourdes (de matemática da oitava série) e Carmen Lúcia (de inglês da sétima série).

Eu ainda não comecei a ler o livro, mas desde já, achei uma ótima idéia!! Seguem as fotos:

Alex e Ferraz rodeados de ex-alunos


Professora Suzete Trovão




Local do lançamento: Le Bon Sebon, no Leblon

Professor Ferraz comendo um sanduiche

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Flick of a Wrist

No último dia 19 de janeiro, aconteceu uma coisa que bagunçou totalmente a minha vida. Até esse dia, pelo andar da carruagem, eu iria pra Alemanha em março passar seis meses em Dresden trabalhando com chips SIMD para a Vodafone. Eu já estava psicologicamente preparado para isso. Eu lembro de estar falando com a Ana sobre isso: "ah, se sair essa bolsa do DAAD, eu vou!". Era só o que faltava: a bolsa do DAAD. Não era muito, mas era uma boa ajuda. Fora que o pessoal de Dresden tinha dito que pagaria um apartamento e a bolsa do CNPq ainda seria mantida. Ou seja, eu iria pra Alemanha e ponto final. Quer dizer, a não ser que a bolsa não saísse.

Mas voltando, estava eu conversando com a Ana a respeito da Alemanha quando meu celular toca. "mamae cel". Do outro lado da linha veio a frase fatídica: "Chegou um telegrama. O que eu faço?". Pensei: "não pode ser da Petrobrás. Fiz o concurso há séculos..." e disse "Ué, lê pra mim!". Então minha mãe começa a ler o telegrama dizendo que eu estava sendo convocado para apresentar meus documentos, segundo o edital do concurso da Petrobrás feito em 2004. Minha resposta foi apenas um "caralho..." (desculpem o palavriado, mas estou sendo fiel aos fatos).

Desliguei o telefone e a Ana ainda olhava pra mim pois nossa conversa havia sido interrompida por alguma coisa que parecia ser séria. Eu só consegui falar "passei pra Petrobrás". Todos que estavam aquela hora no LPS se viraram e começaram a me cumprimentar. Eu ainda não tinha conseguido processar a informação. Todos estavam me dando parabéns até perceberem minha cara de "tá... e agora? o que eu faço?". Foi aí que os parabéns se transformaram em "ah, pelo menos agora você tem duas boas opções!".

De um lado, a vida acadêmica, o doutorado, a viagem pra Alemanha, a pesquisa, as aulas. Do outro um mundo estranho: trabalhar como engenheiro da Petrobrás. Como é que é isso? Eu teria que fazer aquele curso preparatório de 10 meses e só depois saber com o que eu iria trabalhar.
Mas é um empregão: bom salário, estabilidade, trabalhar com engenharia (no Brasil, o que é bem difícil), uma carreira pela frente. Por outro lado, a vida acadêmica estava sendo minha vida até então. Ela estava realmente fazendo justiça ao nome "vida". Passei um bom tempo naquele laboratório com aquelas pessoas que sempre estiveram ao meu lado. Isso era a minha VIDA.

Agora o que eu poderia fazer? Essa história (sobre essa decisão) ainda não acabou. Talvez não acabe nunca. Eu nunca abandonarei o doutorado. Sei que durante o curso de formação, não poderei levar o doutorado, mas depois terei que mostrar que tenho a garra que as pessoas pensam que eu tenho. Espero que elas estejam certas. O fato de ter caras muito bons tendo dificuldades pra levar a Petrobrás e o doutorado juntos me assusta. Mas acho que é possível. Vamos ver... No final, se eu não estiver gostando, depois de um tempo eu saio. Eu volto pra universidade. Volto a tentar submeter artigos e retomar as coisas do ponto em que pararam.

Acho que agora eu preciso ir pra Petrobrás e ver qual é. É um caminho desconhecido, mas tentarei segui-lo da melhor forma. Sei que tenho pessoas muito especiais ao meu lado pra me apoiar. Sempre tive. E a cada passo que dou nessa vida, vejo que esse grupo tem não só aumentado em quantidade quanto em força. Muito obrigado!! Eu não sou ninguém sem vocês!!